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O relógio com pernas

 

Custa-me muito a passagem do tempo.
Custa-me que as coisas que eram deixem de o ser,
E (em menor grau – admito) custam-me as coisas que agora são e nunca foram.

Lembro-me de ser pequeno, um pequeno projeto de desilusão infinita
E de correr para a porta de uma casa para dar dois beijos a um homem.
Esse homem era o meu pai e passava aquela porta porque chegava do trabalho.
O trabalho do meu pai era encaixar umas coisas nas outras. Não importa.
Já não. A ele, importava muito.

Lembro-me de estar ao colo dele, muito pequeno, a ver um jogo de futebol.
O campo era pelado e uma equipa de azul jogava com outra de vermelho.
Sempre que me perguntava se me lembrava daquilo, dizia-lhe que não.
Mentia-lhe.
É das primeiras recordações que tenho.

Esse homem, o meu pai, já não existe.
O mais ridículo nisto é que eu também não.

 
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