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A estética do coitadinho

 

Nasceu coitadinho e morreu desgraçado.
Gostava de poesia.
Gostava de degustar poesia, bochechando rimas e cuspindo sonetos.
Dizia com propriedade que tinham aroma vagamente resinoso e sugestão de frutos secos.
Falava de taninos como se soubesse o que eram.
Certo dia, em certa récita, pediram-lhe que falasse de Rimbaud.
Sorriu, como se desdenhasse, e apenas arrotou.
Criou escola. Dias depois, uma multidão arrotava franceses.
Também se dedicou às plásticas.
Um engenheiro de pontes encomendou-lhe para a sala de leitura um mural com ninfas desvairadas do século vinte e três.
Pintou-lho no chão. E ainda se riu enquanto o pobre homem chorava de desgosto.
O seu mérito na escultura é incerto, pois só esculpia cocós em materiais diversos.
Diz-se que há um poio de mármore seu no vestíbulo de um bem situado palacete, mas poderá ser rumor.
Morreu ontem, pelas quatro, com uma espinha de carapau atravessada no goto.
Ninguém gostava dele.
Coitadinho.

 
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